quinta-feira, 6 de maio de 2010

Esquizofrenia


Exausto depois de mais um dia de sua fria, robótica e patética existência, o rapaz deita-se para dormir.
Sua mãe trocara toda a roupa de cama.
Talvez aninhado entre todos aqueles lençóis, travesseiros e cobertas macias o sono não demorasse a vir, como sempre acontecia...  Não! No fundo ele sabia que o sono ia demorar sim, como sempre.
Virou de um lado, do outro, trocou os travesseiros de posição (dormia com pelo menos três: um sob a cabeça, abraçado a outro e com o terceiro entre os joelhos) e nada.
Então os pensamentos começaram a vir.
Eram sempre os mesmos pensamentos, sempre antes de dormir e sempre pensados somente naquela lacuna de tempo entre deitar e pegar no sono.
Em outros momentos, ao longo do dia, era como se eles não existissem, como se nunca antes tivessem sido pensados. E se ele não se lembrava deles depois e ninguém sabia da existência de tais pensamentos (a não ser ele mesmo, ainda que somente durante o momento em que os pensava), era como se eles realmente não existissem.
Não havia uma lógica ou coerência nos tais pensamentos, eram questionamentos sobre até que ponto a vida era real, o mundo era real, a "realidade" era real.
Um pensamento levava a outro, que levava a outro (sempre o mesmo caminho todas as noites), até que ele chegava num ponto em que surgia - como por mágica - uma idéia que saía completamente fora da linha de raciocínio que estava seguindo e o fazia perder o fio da meada, bem quando ele já estava sentindo que se aproximava de alguma coisa muito perto de uma resposta (resposta essa que ele originalmente não procurava).
Era como se algo, alguma coisa ou alguém não quisesse que ele descobrisse a verdade, fosse ela qual fosse.
Sem ter a menor idéia de quanto tempo se passou desde quando se colocara para dormir (o tempo era mais relativo do que nunca durante os tais pensamentos), o rapaz sabia que na próxima noite teria mais uma chance de "desvendar o mistério" (por assim dizer), embora só fosse voltar a pensar nisso quando chegasse a hora.
Como sempre (havia uma espécie de rotina na situação), começaram as vozes.
No começo da "conversa" eram sempre duas, com opiniões radicalmente contrárias uma da outra. Havia uma terceira que tecia breves e racionais comentários sobre as duas primeiras, uma quarta que nunca dizia nada mas estava sempre atenta as outras e uma quinta que não vinha sempre, mas era extremamente zombeteira e indelicada com as demais. Cinco foram quantas ele conseguira contar, mas provavelmente haviam mais pois a certa altura o zum zum zum era tanto que mal dava para distinguir quem dizia o que, e nesse exato momento ele lembrava como dormir: Já que não dava para acompanhar o que estava acontecendo, o segredo era simplesmente ignorar.
A partir do momento em que ele parava de tentar se identificar com essa ou aquela voz (e todas tinham um pouco - ou tudo - dele), o sono vinha.
A última lembrança antes de dormir era uma das vozes (talvez a que só "observava" as outras) lhe dizendo que isso não ia acabar bem.
Mas ele estava com tanto sono para pensar nisso agora...



FIM

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