sábado, 31 de julho de 2010

Dona Izildinha


Rezava a lenda que Dona Izildinha passara já a algum tempo dos cem anos de idade. 
Solteirona convicta, sua existência limitava-se basicamente a acompanhar da fresta da janela que dava para a rua a vida de todos os vizinhos e reclamar deles para o leiteiro, o padeiro, o carteiro e qualquer outro que fosse por algum motivo ter com ela. 
Tinha todas aquelas famas comuns ao seu estereótipo: Bruxa, macumbeira, mal-comida na juventude (claro, nos dias atuais isso estava fora de questão, embora tenha louco pra tudo nesse mundo...) e daí por diante.
Muito estranharam os jovens da casa da frente que falavam alto na calçada, já tarde da noite, e ouviam o bom e velho rock'n roll quando Dona Izildinha saiu com uma bandeja cheia de copos descartáveis com o mais cheiroso chocolate quente que eles já tinham visto na vida. O normal, vindo dela, seria uma ligação para o 190.
Sorveram tudo, até a última gota. Delicioso, espumante, espesso e tendendo mais para o amargo que para o doce. Perfeito para aquela noite fria.
Dona Izildinha entrou de volta em sua residência, passou um pano na bandeja e da sua frestinha ainda pode ver alguns dos últimos jovens estrebuchando no chão, soltando sangue por todas as vias possíveis de seus organismos enquanto urinavam e defecavam nas roupas. 
A falação cessara, a única coisa que quebrava o silêncio da noite era o bom e velho rock'n roll.


FIM


Este texto foi imaginado, escrito e publicado por mim originalmente aqui: http://recantodasletras.uol.com.br/microcontos/2409443
Agradeço se você puder apreciá-lo também no Recanto das Letras, uma vez que lá tenho a opção de contabilizar as leituras! Obrigado!




sexta-feira, 30 de julho de 2010

A Seita



O delegado examinava calmamente as unhas recém-feitas, lisas e brilhantes, quando um investigador cheio de gel no cabelo (ou seria cabelo no gel?) irrompeu sala adentro, sem bater na porta:
-DELEGADO!
Após dar um gritinho esganiçado e se recompor do susto abanando-se com uma G Magazine, ele pergunta:
- Sim?
- Delegado... acabamos de receber isso, é quente, quentíssimo! - diz o investigador e entrega para seu superior hierárquico um delicado papel cor-de-rosa escrito a glitter lilás.
Após alguns instantes lendo, o delegado solenemente pronuncia:
- Babado forte! Arrume a viatura e mais dois homens, vamos averiguar isso imediatamente! É hoje que acabamos com a seita!


Enquanto nossos bravos homens da lei partem em diligência, vamos lançar luz sobre o que seria a tal seita, A Seita β.
A vários meses A Seita β vem aterrorizando os moradores de toda a outrora pacata cidade.
Na calada da noite, todas as noites da semana, todas as semanas do mês, residências são silenciosamente invadidas e tem seus cestos de roupa-suja revirados e furtados.
Nas manhãs que se sucedem aos ataques, donas-de-casa e empregadas domésticas, ao pegar as roupas para lavar dão por falta de todas as roupas íntimas femininas que ali deveriam estar. As calcinhas usadas simplesmente desaparecem.
A princípio pensou-se se tratar do ato de algum pervertido solitário, mas após vários casos semelhantes serem relatados simultaneamente em diferentes e distantes pontos, chegou-se a conclusão de que aquilo não poderia ser obra de um único homem.
Uma acirrada investigação provou, através de monitoração de última tecnologia, que não estavam envolvidos os donos de lojas de roupas íntimas femininas (embora fossem eles os maiores beneficiados com o desaparecimento das calcinhas da cidade).
A delicada carta anônima deixada a pouco no 24° D.P. da cidade nada mais era do que uma denúncia anônima entregando o endereço da sede da Seita β. E era para lá que os policiais rumaram a toda velocidade.


O motorista da viatura pisava fundo.
De tempos em tempos dava uma espiada no retrovisor para ver se o vento não estava desmanchando seu penteado.
- Vai mais devagar! - pede um policial sentado no banco de trás.
- Meu bem, mais devagar que isso não dá!
- Quietas, já estamos chegando... desligue o giroflex e a sirene, vamos entrar a francesa!
O carro para silenciosamente na frente de uma casa em cujo portão havia uma placa de vende-se. O portão não estava fechado e eles entram vagarosamente, de armas em punho.
Conforme iam se aprofundando no interior da casa, um forte cheiro acebolado invadia suas narinas.
Ao abrirem a porta de um quarto, após constatarem que todo o resto da residência estava vazio, tiveram a certeza de que estavam realmente na sede da Seita β: Montes e mais montes de calcinhas usadas estavam espalhadas por todo o quarto, as paredes estavam todas recobertas por fotos de mulheres nuas em posições ginecológicas. Haviam pequenos altares nos quatro cantos, cada um com uma escultura em forma de vagina, cada qual de um material diferente (madeira, vidro, metal e mármore). No centro do aposento, uma coluna sustentava o poema A CRIAÇÃO DA XOXOTA, de Mário Quintana, devidamente emoldurado e iluminado pela chama de duas velas vermelhas em formato de seios fartos.
Enquanto o delegado olhava consternado para o aposento, um de seus homens lhe entregou um bilhete em papel ordinário, escrito com esferográfica azul:
"Vocês podem ter vencido a batalha, mas não venceram a guerra. Somos cada vez menos, mas sempre existiremos! Vão tomar nos seus cús, seus veados! Ass.: β".


FIM?

Este texto foi imaginado, escrito e publicado por mim originalmente aqui: http://recantodasletras.uol.com.br/contos/2407535
Agradeço se você puder apreciá-lo também no Recanto das Letras, uma vez que lá tenho a opção de contabilizar as leituras! Obrigado!