segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O Inferno Será Valorizado!


Por muitas noites seguidas Marcos vinha tendo o mesmo sonho. Ou melhor, pesadelo.
Uma figura sinistra entrava no seu quarto e vinha pela penumbra até sua cama, onde ele estava dormindo e o observava por algum tempo, até que ele acordava. O vulto então inclinava-se sobre ele, sussurrava algo em seu ouvido e o esfaqueava. 
Era sempre nesse momento, milésimos de segundos antes da faca onírica penetrar em sua carne que Marcos acordava sobressaltado, suando muito e gritando pela mãe.


Marcos estava deitado em sua cama, usando seu pijaminha do Corinthians. Dessa vez o pesadelo começava de uma maneira diferente. Ele pode ouvir os passos do que se aproximava, escutou a porta do seu quarto sendo aberta e sentiu o cheiro do ser que acabara de adentrar ao seu aposento infantil. Fedia a álcool, cigarro, suor azedo de vários dias sem banho urina velha e fezes. 
Ao contrário das outras vezes, a escuridão hoje não era tanta que ele não pudesse ver. O homem parado a sua frente devia ter por volta de uns quarenta anos de idade, barba por fazer, estatura mediana e um pouco acima do peso. 
Vestia uma surrada roupa amarela de palhaço com babados brancos nos punhos da camisa e barras das calças, um sapato marrom enorme com pompons vermelhos nas pontas. Pompons vermelhos na frente da camisa também, no lugar de botões. 
A maquiagem era toda borrada, rosto acinzentado, borrão vermelho na boca, nariz de palhaço onde haviam dois orifícios encardidos e enegrecidos, cabelos de raízes negras e vermelhos até o topo do fio. Os olhos eram muito verdes e brilhavam, mas não era o brilho de uma esmeralda e sim um reluzente ordinário de caco de vidro.
Marcos tentou gritar mas não pode. 
Numa noite comum era mais ou menos nesse ponto do sonho que ele acordava. Já era para o homem ter se inclinado e dito as palavras malditas ao pé de seu ouvido mas não, permanecia imóvel ao lado da cama do menino mesmo esse já tendo acordado e notado sua presença. 
Tentou gritar novamente mas o grito não saiu.
- Calma Marquinhos! - o repugnante tentava parecer simpático. - Hoje nós vamos fazer diferente! Hoje nós vamos até o fim! Ou quase...
Marcos se contorcia na cama. Gritar era impossível, mover-se também. Era como se ele estivesse dopado com alguma droga que lhe privava de qualquer movimento mas deixava todo o resto funcionando normalmente.
- Bom, vamos começar!
O palhaço descobriu Marcos e apanhou uma enorme tesoura de jardineiro toda enferrujada que estava debaixo da cama (era como se tudo fosse uma armadilha que já estava sendo planejada a dias). Com ela começou a cortar o pijama, começando pelo shorts. Primeiro uma perna, de cima a baixo, da barra a cintura, depois a outra da mesma forma. Marcos sentiu o metal marrom gelado passando sobre a pele quente de sua virilha e acabou urinando na cama. 
O palhaço riu desdenhoso: - Mulherzinha!
Terminando de cortar a camisetinha do pijama, ele enfiou a mão por baixo do corpo do menino, bem onde as duas peças de roupa se encontravam na parte de trás e as arrancou com um puxão. 
Totalmente nú e a mercê de um estranho sinistro, Marcos chorava. Seu choro entretanto não passava de lágrimas brilhantes que escorriam pela lateral de seu rosto até pingarem no colchão.
O homem passou a mão por todo seu pênis e testículos e a esfregou, úmida de urina, no rosto de Marcos.
- Isso é coisa que se faça, seu veadinho, mijar na cama? A puta da sua mãe já não gastou a maior grana do corno do seu pai te levando no psicólogo pra você parar com isso? Hein? Seu merdinha! Mijão!
Com muito esforço Marcos conseguiu abrir a boca, mas o grito não veio. Marcos teve então a sensação de algo quente entre as pernas e subindo pelas costas. Tinha defecado na cama e, a sua maneira, chorou mais ainda.
- Era só o que faltava... - disse o palhaço com um ar de desaprovação. - Agora você cagou também, seu filho da puta! Porco, você é um porco! Olha só quanta bosta!
Ao dizer isso o palhaço meteu a mão por entre as pernas de Marcos e apanhou um punhado de fezes.
- Olha aqui... olha aqui quanta bosta!
Dos pés da cama, o palhaço começou a arremessar as fezes contra Marcos. Sempre que a "munição" acabava ele aproximava-se, apanhava mais do mesmo lugar e voltava para os pés da cama. Cada arremesso era mais violento que o anterior e a atingia em sua maioria o peito e o rosto de Marcos. O cheiro dentro do quarto piorava a cada instante. Quando não tinha mais o que jogar, o palhaço sentou-se ao lado de Marcos.
- Nossa, isso cansa! E fede, não fede?
Marquinhos só conseguia chorar.
- Escuta aqui moleque - grita o palhaço -, eu te fiz uma pergunta: Isso aqui fede, não fede? - ele mostra a mão lambuzada para o menino, que segue apenas chorando.
- Seu inútil! - ele esfrega a mão no rosto de Marcos e o puxa pelos cabelos. - Ou você me responde ou eu arranco o seu pintinho com uma mordida! - diz, mostrando os dentes em estado miserável para o menino, que com muito esforço consegue assentir com a cabeça.
- Assim que eu gosto!
"Cleck"
O barulho pega Marcos de surpresa e ele sente uma fisgada numa das mãos. O palhaço mostra a tesourona ensanguentada, ri e em seguida ergue a mão direita de Marquinhos. 
- Não arranquei o pintinho mas cortei o mindinho, hahahahahahahahah...
Olhando para a mão ferida e em seguida para o rosto medonho do palhaço, que exibia seu dedo entre os dentes, Marcos finalmente consegue se levantar num sobressalto, sentando-se na cama.
O palhaço cospe o dedo fora, chega sua boca perto do ouvido de Marcos e sussura, depois de uma lambida quente e nojenta:
- O Inferno será valorizado!
Marcos grita.
O sonho acaba. Ele levanta todo suado e caminha até ao banheiro. Não é mais uma criança. Após lavar o rosto ele se observa atentamente no espelho e descobre que quem estava sob a maquiagem do palhaço era ele mesmo, o tempo todo.


FIM


Este texto foi imaginado, escrito e publicado por mim originalmente aqui: http://recantodasletras.uol.com.br/contosdeterror/2426862
Agradeço se você puder apreciá-lo também no Recanto das Letras, uma vez que lá tenho a opção de contabilizar as leituras! Obrigado!

Um comentário:

Anônimo disse...

Ah! finalmente eu encontrei o que eu estava procurando. Ás vezes é preciso muito esforço para encontrar ainda pequena peça de informação útil.